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Caim e Abel

Em Gênesis 3, no episódio da queda do homem, lemos sobre a atuação de Satanás, através da serpente. No capítulo 4, a víbora não aparece, pois não é mais "necessária". O ser humano, por si só, tornou-se capaz de praticar coisas terríveis, pelas quais não pode culpar diretamente o Diabo.
O quarto capítulo de Gênesis começa com a apresentação dos dois irmãos, Caim e Abel, e suas iniciativas no sentido de cultuarem a Deus. Podemos ver ali a realização de atos religiosos, como costumamos chamar.
O texto nos permite concluir que é importante ofertar, visto que Deus aceitou uma das ofertas. Quando oferecemos algo ao Senhor, trazemos a ele aquilo que dele recebemos. Tudo é dele, por ele e para ele (Cl.1.16). Ofertar é uma forma prática de demonstrarmos amor e gratidão.
Por outro lado, aprendemos também que Deus não aceita qualquer coisa, feita de qualquer jeito ou por qualquer pessoa.
Oferta não é apenas dinheiro, mas tudo o que fazemos para Deus, inclusive o louvor e a adoração.
Os dois ofertantes eram bem semelhantes em seu comportamento, embora suas oferendas fossem diferentes. Os ritos religiosos produzem a impressão de que todos os que os praticam são iguais, fazendo os mesmos gestos, cantando as mesmas músicas e usando as mesmas palavras em suas orações. Contudo, Deus está olhando para o coração do homem.
"Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta" (Mt.5.23-24).
Se pudéssemos assistir a cena das ofertas de Gênesis 4, talvez teríamos uma boa impressão de ambos os irmãos. Entretanto, Deus examina a intenção antes de olhar para a oferta.
O cumprimento de rituais religiosos não é prova de espiritualidade. Acima de tudo isso deve estar um bom relacionamento com Deus, através de um modo de vida agradável a ele.
"Se alguém entre vós cuida ser religioso e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã" (Tiago 1.26).
CONTROLE DE QUALIDADE
Abel ofereceu dos primogênitos de suas ovelhas. Eram animais especiais, as primícias. Quanto à oferta de Caim, não temos detalhes. O texto diz apenas que eram frutos da terra, mas o certo é que Deus não se agradou dela nem daquele que a trouxe.
É importante questionarmos a nós mesmos: estamos oferecendo algo ao Senhor ou só queremos receber? O que trazemos a ele é o melhor?
Abel não fez muitas coisas para Deus, mas o suficiente para agradar o coração do Pai celestial, de tal modo que o seu nome veio a ser o primeiro na galeria dos heróis da fé (Heb.11.4). O texto de Hebreus nos permite concluir que Abel era justo e sua oferta foi feita com fé. Deduzimos que Caim era injusto, como ficou provado depois, e sua oferta era feita com incredulidade. Muitos atos religiosos são feitos sem fé, motivados pelo costume, obrigação, ou pelo desejo de se exibir, como acontecia com os fariseus (Mt.6.1-18).
A INVEJA
Tendo Deus recebido uma oferta e rejeitado a outra, a história começou a tomar um rumo totalmente inesperado. A prática religiosa se tornou motivo para um crime, assim como tem acontecido até hoje através das "guerras santas" e conflitos infindáveis pelo mundo afora.
Parece que Caim ficou mais revoltado com o fato de Deus ter aceitado a oferta de Abel do que pela rejeição de sua própria oferta. Notamos que a inveja dominou o coração do irmão mais velho. Afinal, ele era o primeiro em tudo, mas agora tinha ficado para trás.
A IRA
Diante daquela situação, Caim ficou irado. A ira, em geral, não é pecado. Está escrito: "Irai-vos, mas não pequeis" (Ef.4.26). É natural que as contrariedades do dia-a-dia nos provoquem a ira. Entretanto, é preciso saber o que faremos com ela. A bíblia fala em "acender a ira" (Gn.30.2; 31.35; 39.19; 44.18; Ex.4.14; etc). Ela é como o fogo. Nós o utilizamos em casa, com muito proveito, mas precisamos mantê-lo sob absoluto controle. Caso contrário, a destruição pode ser muito grande. A ira também consome, em instantes, o que levou anos para ser construído.
A ira ocasional é normal. Trata-se de uma reação que funciona como mecanismo de defesa do ser humano. Quando, porém, a ira é constante, alguma coisa está errada. É o caso do indivíduo colérico ou iracundo (Pv.22.24; 15.18). Algumas pessoas são como uma panela de pressão, prestes a explodir. Outras são como um vulcão.
"Quem se ira rapidamente fará doidices" (Pv.14.17).
O servo de Deus deve ser tardio para se irar, sabendo que a ira do homem não realiza a justiça divina (Tg.1.19-20). Ser tardio significa ser tolerante, paciente, ou seja, "ter o pavio longo".
Quando nos iramos, devemos tomar cuidado com as palavras e os atos. É melhor se calar em momentos assim. Se possível, as ações devem ser adiadas. Deixe a ira esfriar. É nessas horas que precisamos do domínio próprio (Gal.5.22). Algumas atividades físicas constituem boa maneira de extravasar a irritação. Uma caminhada, um banho frio e uma boa noite de sono ajudam a acalmar os nervos.
Deus não disse que Caim havia pecado por se irar, mas que sua ação seguinte poderia ser pecaminosa. A ira, quando alimentada por pensamentos, lembranças e palavras, pode se tornar ódio. Foi o que aconteceu.
Enquanto que, em Gênesis 3, Adão e Eva deviam ter controlado seu apetite, Caim devia controlar sua ira.
O AVISO
Naquele tempo não havia bíblia nem pregadores. Por isso Deus falou diretamente com Caim, antes e depois do homicídio. Isso mostra que, apesar de tudo, Deus não desistiu da humanidade. Continuando a leitura de Gênesis, percebemos que o homem foi se afastando cada vez mais de Deus, que passou a falar apenas com algumas pessoas justas e especiais (Gn.7.1; 12.1). Depois, as mensagens passaram a vir através de anjos (Gn.19.1) e sonhos (Gn.20.6; 28.12; 37.5; 40.5; 41.1). A comunicação de Deus para o homem foi ficando mais indireta.
Deus falou com Caim para avisá-lo sobre o pecado, como tinha avisado a Adão e Eva (Gn.2.17). Ele fala ainda hoje, de várias formas, com esse mesmo propósito (Jó 33.14; Heb.1.1). Contudo, Caim agiu como se não tivesse recebido a advertência. Assim também, muitos agem de forma contrária à mensagem celestial que lhes foi entregue.
Poderíamos imaginar que Deus tivesse rejeitado definitivamente a pessoa de Caim, mas não foi assim. O Senhor lhe disse: "Se fizeres bem, é certo que serás aceito". Fica claro, portanto, que Caim não estava predestinado a ir para o inferno. Ninguém está. Cada um pode decidir por si mesmo, se quer servir a Deus ou não (Js.24.15).
As palavras de Deus para Caim estão repletas de amor e misericórdia, dando-lhe uma nova chance, uma oportunidade de trazer novamente sua oferta, porém de um modo melhor. O grande problema foi que Caim desistiu de ofertar ao Senhor.
Se tudo está difícil em casa, na escola, no trabalho ou na igreja, não desista. Se tudo deu errado, não desista. Se for algo que possa ser repetido, faça melhor da próxima vez.
O CRIME
Caim usa de malícia e convida o irmão para ir ao campo. Ele pretendia ficar distante das testemunhas. Cuidado com situações de risco, onde estão apenas duas pessoas. Se possível, leve mais alguém ou então nem vá. Compreendemos que Abel jamais imaginaria que o irmão fosse capaz de tamanha atrocidade. Caim, por sua vez, não sabia que Deus era a testemunha onipresente.
Apesar da advertência divina, Caim se deixou levar pela ira e matou Abel. Seu crime teve vários agravantes: foi premeditado, proposital, sem motivo justo, cruel, traindo a confiança do próprio irmão.
O crime não ficou encoberto, pois chegou ao conhecimento de Adão e Eva (Gn.4.25). Ao saberem da morte do filho mais moço, o primeiro casal deve ter sofrido amargamente. Aquela foi mais uma conseqüência do primeiro pecado. O pecado dos pais destruiu a vida dos filhos.
CONTRADIÇÃO
Em um momento, Caim está cultuando ao Senhor através de sua oferta. Depois, mata o irmão. O que fazemos depois do culto?
O texto nos mostra dois tipos de relação: com Deus e com o irmão (ou o próximo). De nada vale adorar a Deus, se depois vamos maltratar o irmão. Esses dois níveis de comunhão devem ser coerentes (IJo.1.3). Não adianta ser um anjo na igreja e depois virar um demônio dentro de casa.
"Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo" (Lc.10.27).
"Não como Caim, que era do maligno, e matou a seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão justas" (IJo.3.12).
DUAS QUESTÕES
Em Gênesis 3.9, Deus perguntou a Adão: "Onde estás"? Em Gênesis 4.9, Deus pergunta a Caim: "Onde está o teu irmão"? São duas perguntas que precisamos responder diante de Deus. Em ambos os casos, o Senhor já sabe a resposta, mas deseja que o homem reflita, se conscientize, e se manifeste, confessando sua transgressão e agindo corretamente. É importante que cada um verifique sua posição, sua condição diante de Deus, mas é também fundamental que olhemos para o irmão, conhecendo suas necessidades e ajudando-o sempre que possível.
Caim ouviu a voz do Senhor mais uma vez (Gn.4.9). Era outra oportunidade para o conserto. Entretanto, pecou novamente: mentiu para Deus,dizendo que não sabia onde estava Abel. Um pecado leva ao outro, numa seqüência trágica. Ele ainda diz: "Sou, porventura, guardador do meu irmão"? Notamos sua arrogância, ironia e irreverência diante do Senhor. De uma pessoa assim, Deus não poderia mesmo receber a oferta, a não ser que ele desejasse uma transformação.
O CASTIGO
Deus então amaldiçoa Caim (Gn.4.11). Em Gênesis 1 e 2, vemos Deus abençoando. Nos capítulos 3 e 4 ele amaldiçoa, trazendo juízo por causa do pecado. Com isso, a terra foi ficando cada vez pior, produzindo espinhos e deixando de dar retorno satisfatório para o esforço humano. O trabalho foi se tornando cada vez mais difícil, árduo e menos gratificante.
Assim como Adão e Eva foram expulsos do jardim do Éden, Caim teve que ir embora da sua terra. Afastou-se do convívio de seus pais e perdeu a lavoura, pois era lavrador. O pecado traz perdas e prejuízos, tirando o indivíduo de sua posição e, às vezes, afastando- o da família. Dependendo do pecado cometido, a pessoa se vê obrigada a mudar de emprego, escola, igreja, casa, bairro, cidade ou até de país. Não era esse o propósito divino.
A MISERICÓRDIA
Deus podia ter exterminado Caim. Entretanto, usou de misericórdia para com ele. O Senhor sabia que, da sua descendência, viria algo de bom. Alguns de seus descendentes foram muito talentosos, inventando instrumentos musicais e artefatos de ferro e cobre. Nós vemos o presente e queremos fazer justiça à nossa maneira. Deus vê o futuro, as gerações vindouras, e poupa o pecador por algum tempo, dando-lhe oportunidade para se arrepender.
Na seqüência do texto, poderíamos ler que Caim se humilhou e pediu perdão a Deus. Contudo, isso não aconteceu. Sua arrogância e orgulho não permitiram. Ele prefere se afastar de Deus. Não sejamos assim. Aproveitemos as oportunidades que o Senhor nos dá. Confessemos os nossos pecados e peçamos o seu perdão, antes que seja tarde demais.
Em Gênesis 3, o primeiro pecado foi cometido. No capítulo 4, vários pecados aconteceram. Caim cometeu diversos. Depois, seu descendente Lameque matou duas pessoas. Afinal, teve um péssimo exemplo do seu patriarca. A multiplicação da iniqüidade estava ocorrendo rapidamente. O castigo também ia se multiplicando, até vir em forma de dilúvio.
O que se vê naquele texto não ficou restrito àquela ocasião. Ainda hoje, muitas pessoas vivem de acordo com o modelo de Caim. Muitas não chegam a matar o irmão, mas cultivam o ódio em seus corações.
"Qualquer que odeia o seu irmão é homicida" (IJo.3.15).
"Ai deles, porque entraram pelo caminho de Caim..." (Jd.11).
O capítulo 4 de Gênesis termina falando que, após o nascimento de Enos, começou-se a invocar o nome do Senhor. Isso foi ótimo, mas seria ainda melhor se tivessem invocado antes. Muitos males seriam evitados. Busque ao Senhor agora. Não espere que o pior aconteça.

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